Diz
Diz
Acordei, me virei na cama e a procurei. Minha mão encontrou
apenas o lençol da cama. Meu peito suspirou uma ausência. Eu travei minha
respiração. Não queria acreditar que ela não estava comigo. Não queria sentir
aquilo. Me levantei e fui tomar banho, aos trancos e barrancos.
No banheiro, vi o frasco de xampu virado para o lado errado.
Era o toque dela. Abri a torneira do chuveiro. Vi que o controle de temperatura
estava no número cinco. O que ela sempre usava. Me banhei e me sequei. Ao me
pentear, vi os cabelos dela em minha escova. Voltei a meu quarto e vi um
chinelo dela ao chão. Como sempre, eu sabia que o par estava embaixo da cama.
Nesse momento me toquei que eu tentava vê-la em tudo. Entendi
que era bobagem da minha cabeça. Tínhamos apenas cinco por cento de nossas
vidas para dar um ao outro. Era inevitável que eu a visse em muitas das
porcentagens restantes. Os momentos em que estávamos distantes.
Nesse dia pensei sobre a palavra “distante”. A língua
portuguesa é complicada, mas guarda meandros e detalhes tão difíceis de
explicar quanto ao mesmo momento poéticos.
“Distante” é longe.
“Diz tanto” é o quanto algo te dá algum significado. O
quanto algo te diz alguma coisa.
Vesti minha calça. Procurei uma camiseta usada, para usar
antes de sair de casa. A vesti e o cheiro de minha garota me inebriou.
Era a camiseta que ela usara um dia antes. Estava impregnada
com o cheiro dela.
Falei sozinho comigo:
- Diz. Diz muito. Diz tudo.
Fiquei sozinho, aquele dia. Mas foi um bom dia. Um bom dia
de recordações felizes.