Pathé na Sibéria

Pathé na Sibéria
Pathé está em seu caça a jato. O céu está escuro, mas a sua esquerda ela vê o sol começar a despontar. Olhou a sua direita. Vira a aurora boreal a poucos segundos. Não estava mais lá. Em seu íntimo, guardara que aquela era a imagem mais bonita que já vira.
Havia rumores de que o leste da Sibéria abrigava um enorme arsenal chinês. Bombas termo nucleares e ogivas de matéria escura. Pathé sabia que jamais a autorizariam ir até lá. Acabou resolvendo que iria sozinha, por sua própria conta.
Pousou o caça em uma área desabitada, na vertical, as escuras. Desceu da nave em silêncio. Ao pisar na terra, sentiu-a macia. Parecia mais mole do que a terra de São Paulo. Umidade, talvez.
Ligou a câmera infravermelho e disse:
- Me chamo Pathé. Estou em território Russo, procuro uma base que talvez esconda armamentos.
Não a incomodava mais enxergar tudo em tons de verde escuro.
Correu em direção à uma edificação. Era um hangar. Abriu seu portão corrediço, empurrando-o com toda sua força.
Havia caminhões e mais caminhões com mísseis em suas costas. Pathé abriu mais dois hangares. Eram dezenas de hangares cheios de caminhões com mísseis acoplados.
Tentou usar o rádio e o celular, mas estava em uma zona escura, nenhuma comunicação funcionava. Queria falar com Filipi e perguntar o que deveria fazer.
Ao abrir a porta do quarto hangar, viu um caça enorme. Era um bombardeiro gigante que lhe lembrou o B-52 que jogara a primeira bomba sobre o Japão. Mas este parecia ser dez vezes maior.
Ouviu o ronco de motores ao longe. Ela havia disparado algum alarme e logo a encontrariam. Correu até seu caça e tentou dar partida.
Nada.
Tentou mais duas vezes e nada.
De alguma forma, aquele local havia afetado sua nave.
Ouviu novamente o barulho de motores ao longe.
- Bosta, eu vou morrer aqui sozinha!
Os titãs tinham o costume de sentar e pensar em situações desesperadoras. Pathé não era uma titã, mas sabia fazer isso. Sentou-se e pensou. E ouviu os motores mais próximos. E ouviu-se pensar “eu não vou morrer aqui”.
Fuçou nos armários que estavam nas paredes. Precisava de um cabo de tungstênio de pelo menos meio quilômetro de extensão. Sabia que o encontraria, pois eram usado em testes de arrasto dos mísseis.
Encontrou um rolo enorme no canto de um armário. Contou a quantidade de voltas e usou o número PI para calcular seu comprimento. 430 metros. Teria que servir.
Armou um dos lança míssil para disparar. Fez um dos 8 mísseis ejetar sua ponta e a laçou com o cabo.
Foi até o caça e pegou seu traje de desarmamento de bombas e seu paraquedas.
Haviam jipes militares estacionados ali. Meticulosamente, ela abaixou a janela de três deles e passou o cabo de tungstênio por elas, dando uma volta pela capota.
Afastou-se dos jipes e testou mentalmente o caça que havia laçado. Ele fez um breve barulho.
Prendeu a ponta do cabo à sua armadura e ficou de costas para os veículos. O míssil atingiria quatro mil quilômetros por hora. Aquilo poderia arrancar sua espinha das costas.
Ativou o míssil. Ele assobiou e sumiu. O cabo enrolado no chão começou a desenrolar. O míssil subia rapidamente. A cabeça de Pathé, em sua armadura, pendeu para a frente e ela pensou:
“Desligue.”
O motor a jato do míssil desligou e entrou em queda livre. O cabo enrolado acabou. A capota dos três jipes foram arrancadas e Pathé foi içada ao ar como uma boneca.
Houve momentos de consciência e inconsciência. Quando teve um momento mais claro, já estava sobre o oceano Atlântico. Ouvia a voz de Filipi no fone do capacete:
- Não faz sentido para mim, nada do que você fez, mas temos que resolver isto.
- Me leva pra casa. Depois conversamos, Filipi.
Filipi assumira o controle do míssil. Havia combustível suficiente para levá-la até sua casa e explodi-lo em segurança.
A mente de Pathé apagava e voltava.
Em um momento de lucidez, ouviu Filipi:
- Fique acordada. Você vai pousar n’água.
- Filipi, me deixe perto de casa, por favor!
- Olhe para baixo.
Ela olhou e viu sua casa e a piscina do quintal se aproximando.
- Pronta?
- Filipi, você é um gentleman...
O cabo se partiu e ela caiu como uma bomba na piscina. Tocou o fundo, sentiu-se boiar embaixo d’água. A água gelada e a presença de sua casa a revigoraram. Era como se tomasse uma droga que entrasse em ação em seu corpo em questão de segundos. Livrou-se do capacete e dos trajes  dentro da piscina. Os deixaria lá, esta noite. Saiu d’água apenas de calcinha branca, linda, reluzente e de nariz em pé. Estava lúcida e satisfeita.
Bateu com o punho da mão em um botão, em uma coluna da varanda. Encostou-se, chacoalhou os cabelos e tirou a água que ainda residia em seu nariz com uma das mãos. Luzes se acenderam e ela ouviu a voz de Filipi:
- Você está bem?
Ela tentava recuperar o fôlego.
- Bem. Como não me sentia há tempos.
- Você podia ter morrido. Porquê foi até lá?
- Ninguém iria. Eu fui. Tinha minhas razões.
- Você vem agindo de forma instável.
- Filipi, talvez você esteja certo. Mas preciso de mais um favor seu...
- O quê?
- Viu meus arquivos? Viu o arsenal chinês que vi na Sibéria?
- Vi.
- Você consegue transmiti-los a todos os titãs, sem que eles saibam que fui eu quem descobriu?
Filipi sempre respondia rapidamente. Nessa vez, ele demorou a responder. Pathé sabia que ele estava calculando os prós e os contras, mas então respondeu:
- Claro.
Pathé virou-se e entrou em casa. Ouviu Filipi dizer:
- O míssil vai explodir bem acima de sua casa. Não compreendo, mas sei que você gosta. Não quer ver?
- Claro!
Pathé correu pela varanda como uma criança e viu a explosão no céu. Era mais linda do que qualquer fogo de artifício que já vira. Ela passou a palma da mão por uma lágrima e disse:
- Filipi, você é um gentleman.



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