Arroz
Arroz
Cheguei tão cansada em casa. Tive que sair mais tarde. O
hospital estava cheio e eu tive que dobrar meu turno. Outros dobraram também. O
que eu mais queria era tomar um banho, comer e dormir. Nunca acreditei em ter
indigestão em comer e depois tomar banho.
Entrei em casa e meu namorado estava dormindo no sofá-cama. Passei
a mão pelo rosto dele e ele nem se mexeu. No caminho até o banheiro, vi a
cozinha intacta. Nada para comer. Me resignei com meu banho.
Depois de alguns minutos no banho, ele abriu a porta apenas
um trecho e com um olhar de sono me disse “Como foi o dia?”
“Preciso de cama.”
“Tem algo pra comer?”
“Deixei algo aí.”
Saí do banho sabendo que ele tinha pedido uma pizza. Tava
ótimo. Gastamos mais, ganhamos mais gorduras, mas eu tava com uma fome...
- O que você fez, amor?
- Arroz...
Abri o forno duvidando dele. Quando olhei... vi uma
panelinha de arroz de uns dois dias. Seco.
- Arroz, filho da puta? E branco? E velho?
Ele levantou nervoso.
- Não gosta não come!
Apenas se virou e voltou a se deitar. Apenas disse “Vê se
algo na panela elétrica de arroz te agrada.”
Pensei: tá sonado ou endoideceu.
Mas abri a panela elétrica. Uma fumaça quente e com sabores
invadiu o ar. Quando o vapor sumiu, vi um prato cheio de elementos diferentes.
Eu não consegui distinguir nada, mas o cheiro parecia combinar. Chegou até ele
e o despertou.
Ele disse “Parece estar bom”.
Veio semi nu até a mesa e se sentou, eu montei a mesa e
comemos nos olhando e sorrindo a cada garfada. Nos deitamos e foi uma noite
maravilhosa. De madrugada acordei e vi que ele olhava para o teto. Disse:
- Te adoro. Porque fez essa comida pra gente? As meninas do
trabalho vão adorar a receita.
- Hein?
- Porque se deu ao trabalho? Ainda podemos pagar uma pizza
de vez em quando.
- Ah... cheguei morrendo de sono.
- Mas me conta a receita!
- Joguei um monte de coisa da geladeira na panela. Uns
restos da gaveta de legumes. Tinha uma linguiça ressecada e um pedaço de frango
meio mole também. Umas folhas murchas e um pedaço da maminha do churrasco do
domingo. Achei um pouco de arroz velho no forno e joguei por cima. Coloquei água,
liguei a panela e fui dormir. Você que me acordou.
Fiquei sem ar. Não sei se mato o infeliz ou mando um email
de agradecimento às fábricas de panelas de arroz.
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